No ano em que completa 25 anos de atuação com aulas de
música na periferia de Campinas (SP), o Anelo inicia uma parceria inédita com a
Juilliard School, conservatório musical de 120 anos de história, fundado em
Nova York e considerado o mais influente do mundo no segmento. Em uma conquista
costurada com ajuda de apoiadores do Brasil e do exterior, representantes do
instituto criado e enraizado no distrito campineiro do Campo Grande irão
embarcar para a China, onde participarão de vivências, performances e conversas
com músicos da unidade da Juilliard na Ásia - a única da escola fora dos
EUA. Além do intercâmbio, os músicos brasileiros farão ainda uma
apresentação pública no famoso Dusk Dawn Club em Pequim, com apoio da Embaixada
do Brasil na China.
O embarque do fundador do Anelo, Luccas Soares, do professor
Lucas Bohn, que representarão o instituto, e do também professor Levi Macedo,
que fará a captação de imagens da viagem, será em 6 de abril. Eles seguirão de
São Paulo até Tianjin, uma das maiores cidades da China, onde fica a filial da
escola norte-americana. Nessa cidade, estão marcadas vivências (na Juilliard e
em outras escolas) e duas performances para alunos e funcionários, sendo uma
delas em uma academia de música de Pequim. Ao longo do processo de viabilização
da visita, a Embaixada do Brasil foi procurada para apoio e surgiu ainda a
possibilidade de uma apresentação pública, também em Pequim. No total, os
músicos ficarão 12 dias na China, com retorno marcado para o dia 18.
Para Soares, a conquista dessa parceria pode ser
classificada como “surreal”, levando “a viela” até a China, em referência à
fundação do Anelo em um pequeno espaço na viela em que vivia, no bairro Jardim
Florence. “Era uma parceria improvável, mas que só prova o poder que a música
tem de conectar as pessoas do mundo.”
Pela parceria, o instituto brasileiro terá contato com
a estrutura física e didática de uma escola da elite da música - voltada para
formação clássica - e em contrapartida levará a experiência de dialogar de
forma mais próxima com as comunidades. A intenção é que alunos brasileiros e
chineses participem de intercâmbios entre as duas instituições. Hoje, o
principal intercâmbio dos alunos de Tianjin, para completar a formação em nível
superior e voltar para ensinar novos estudantes, é com a Juilliard de Nova York. “Nossa ideia na visita é apresentar a eles um pouco sobre o
samba, o contexto social em que o gênero surgiu e usar exemplos mais conhecidos
no exterior, como Tom Jobim. Falaremos um pouco sobre como ele, com sua
formação clássica, incorporou elementos da nossa música popular em canções como
Wave, Garota de Ipanema”, revela Soares.
Conforme Luccas Bohn, para dialogar com alunos e a
comunidade em geral da China de forma mais acessível, uma professora chinesa
que atua no Anelo tem ajudado na tradução e adaptação de discursos. Ele
ressalta a qualidade técnica e de vanguarda da Juilliard na China, que traz a
expectativa de que, de lá, saia a próxima geração de elite da música clássica.
“Queremos aprender como promovem as formações de musicalização, os caminhos
escolhidos, pois acreditamos no potencial de nossos alunos e queremos agregar mais
conhecimento para o desenvolvimento deles.”
Mobilização
Segundo Luccas Soares, a busca de uma parceria com a
Juilliard teve um primeiro capítulo em 2018, quando ele tinha uma viagem
marcada para Nova York e aproveitou para conhecer a escola. Sem avanço em uma
possível parceria, o projeto ficou adormecido por um tempo, até ser retomado
por intermédio de um apoiador. “No final do ano passado, conheci o
Stanley Ting, descendente de chineses que mora em Nova York e sobrinho de um
dos apoiadores mais antigos do Anelo (John Sieh, morador de Campinas e apoiador
de projetos sociais). Comentei sobre nosso desejo de parceria e perguntei se
poderia ajudar. Por coincidência, ele afirmou que tinha um amigo que era
conselheiro da Juilliard na Ásia, e que tentaria construir essa ponte”,
conta.
Profissional do mercado financeiro, Stanley contextualiza
que a Juilliard é uma das instituições mais rigorosas dos EUA, onde poucos
alunos que ingressam acabam “passando na peneira” até a diplomação. Por ser uma
escola de elite, muitos dos músicos que “ficaram pelo caminho” no conservatório
migram para áreas como o mercado financeiro, sendo um deles esse amigo que está
na China e que auxiliou no contato. “Me impressionou muito a seriedade e longevidade do trabalho
do Anelo, e vi neles essa vontade de conhecer mais, de ter acesso à didática
adotada pela Juilliard. Já no caso da Juilliard, eu esperava alguma
dificuldade, mas foi tudo muito fácil, demonstraram muito interesse, o que me
surpreendeu. Entendi que o Anelo pode suprir uma demanda deles, passando a
experiência de como se comunicar melhor com as comunidades. Essa é uma meta da
escola na China, ter uma metodologia para levar música e formação à população
mais carente. Como instituição de elite, eles sentem essa dificuldade.”
Viabilização do sonho
O professor Lucas Bohn revela que, para avançar numa
parceria oficial, a Juilliard pediu informações do Anelo e sobre que tipo de
colaboração pretendia promover, além de pedir um levantamento dos custos
envolvidos. A partir de então, o próprio Stanley atuou de forma direta em
uma mobilização para captação dos recursos necessários, a maior parte com
pessoas físicas, mas também com a empresa chinesa Chen HSong, que tem
representação no Brasil e, pela contribuição, recebeu uma apresentação do Anelo.
Segundo Stanley, a viagem atual é a primeira fase de um
projeto que precisará de mais recursos para viabilizar as etapas seguintes:
levar outros professores para a China e promover o intercâmbio de alunos entre
os dois países.
“Há muitas empresas chinesas atuando no Brasil e a parte da
cultura é muito forte para eles. Por isso procuramos a Embaixada do Brasil, que
pode ajudar na divulgação e apoio a projetos culturais, e ela foi muito
receptiva. Há ainda o fato de que este biênio 2025-2026 celebra o Ano Cultural
Brasil-China. Recentemente tivemos a presença do presidente da China, Xi
Jinping, em Brasília com o presidente Lula, com objetivo de reforçar os laços
entre os países, algo que tem muito peso na hora de tentarmos apoio.”
Nesse contexto, foi viabilizada inclusive uma apresentação
pública em Pequim, com divulgação da Embaixada e possível presença do
embaixador brasileiro, Marcos Bezerra Abbott Galvão, o que reforçará a
divulgação dessa parceria na China. “Dá um frio na barriga, mas vamos agora
tentar consolidar uma parceria com essa renomada instituição, em mais um
acontecimento marcante desses nossos 25 anos”, diz Soares.