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O novo crime de perseguição

Carolina Defilippi

Geral 19/04/21

No dia 31de março foi sancionada a lei 14.132, que incluiu no capítulo dos crimes contra a liberdade, o artigo 147-A no código penal, criminalizando a conduta de perseguição, conhecida como “stalking” em alusão à palavra em inglês. O delito em questão pode ser cometido por qualquer meio, ou seja, a perseguição poder ser por meio físico ou virtual e ainda mesclar os dois tipos.

O comportamento de perseguição ganhou atenção nos Estados Unidos em 1990 diante da trágica morte da atriz americana Rebeca Schaeffer que foi cometida por um fã perseguidor e a partir daí se tornou crime neste país. Mas é muito importe ressaltar que a prática de perseguição não está associada apenas ao relacionamento de fãs com seus ídolos, ao contrário, corriqueiramente configura-se dentro das relações íntimas de afeto. 

No livro "Stalking e Cyberstalking: Obsessão, Internet, Amedrontamento”, os autores afirmam que o perseguidor íntimo é o mais perigoso, pois conhece a vítima com propriedade, sabe os lugares que ela frequenta, as pessoas com quem ela se relaciona, seus hábitos e suas preferências. 

A lei 14.132 trouxe o delito de perseguição como crime que diz que “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”, com pena de reclusão de seis meses a dois anos e multa. Com aumento de pena se a vítima for criança, adolescente ou idoso; mulher por razões da condição de sexo feminino ou mediante concurso de duas ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

A promotora Ana Lara Camargo de Castro afirma que o interesse do criminoso pode ser, além da frustração por um relacionamento rompido, admiração obsessiva, desejo de ter uma relação, vingança e até perversão. E Madeleine Lacsko completa que é inútil tentar entender de forma objetiva e racional a semente da maldade, que foge de qualquer racionalidade possível ao ser humano.

A verdade é que muitos perseguidores não admitem o fim de uma relação, outros imaginam ter uma relação com alguém que conhecem e existem até os que fantasiam ter uma relação com quem sequer conhecem. Há perseguidor de amigos, de familiares, de colegas de trabalho, colegas de escola, de conhecidos ou até de desconhecidos. O que não é possível, nem razoável é culpar a vítima por essa perseguição.

O grande mestre Damásio de Jesus traz seis particularidades para entendermos melhor as características dos stalkers e suas condutas: invasão da privacidade da vítima, repetição de atos, dano à integridade psicológica e emocional da vítima, alteração de seu modo de vida, restrição à sua liberdade de locomoção e lesão à sua reputação. Essa perseguição tem efeitos devastadores sobre as vítimas e ao contrário do que alguns pensam têm alto potencial de violência.

O Brasil tem mais de 600 condutas criminalizadas e mais de 90% dos presos brasileiros estão detidos por apenas nove dessas condutas. Ou seja, como criminalista e professora de direito penal não costumo ser a favor da criação de novos crimes. Mas diante do avanço da internet, da hiper conexão que estamos vivendo e da falsa sensação de segurança que algumas pessoas têm ao praticar suas condutas por trás de uma tela, a criminalização da perseguição é uma atualização jurídica necessária frente à sociedade deste século que deu mais ferramentas para os criminosos ameaçarem suas vítimas.


Carolina Defilippi é coordenadora do curso de Direito da Unità Faculdade, é coautora dos livros "Direito Penal para OAB", "Inovação na educação e inovação e métodos para nativos digitais".


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